Muitas comunidades rurais, mesmo distantes dos recursos hídricos e
dos centros urbanos, podem desfrutar de água diretamente na torneira, na porta
de casa. Há muito tempo, grande parte da zona rural do Ceará deixou para trás a
velha cena de lata na cabeça. Quem viveu a experiência de carregar lata
d’água sabe valorizar muito bem cada gota que sai da torneira de casa.
Transportar água de modo braçal fez parte da rotina de muitas localidades da
zona rural do Ceará, mas a chegada do saneamento rural mudou esse cenário.
Desde 1996, quando a Companhia de Água e Esgoto do Ceará (Cagece) implantou o
Sistema Integrado de Saneamento Rural (Sisar), a realidade nessas áreas é
outra.
No Ceará, a população rural atendida com abastecimento
de água, por meio do modelo de gestão do Sisar, é de 750 mil habitantes, que
corresponde a 35% da população rural do estado. Nos próximos cinco anos, esse
percentual será elevado com novas iniciativas que estão em fase de implantação.
A expectativa é que essa cobertura alcance a marca de 50% da população rural do
estado.
Nos rincões do Ceará, mesmo nas localidades mais remotas do estado,
é possível encontrar sistemas completos de abastecimento de água. São lugares
onde só o Sisar consegue operar e garantir o bom funcionamento das redes. Não é
tarefa fácil. Para além da escassez de recursos hídricos e financeiros, estão
os desafios com a topografia ou a localização geográfica das comunidades. Mas a
Cagece e o Sisar não medem esforços: perfuram poços e assentam quilômetros de
tubulação para garantir a chegada da água.
Basta percorrer o interior do estado e facilmente
constatar a alegria e a gratidão das famílias atendidas com os sistemas do
Sisar. A equipe de reportagem viajou cerca de 1.500 km para visitar três
localidades com características semelhantes em dificuldade de abastecimento,
mas bem distintas quando se trata de localização geográfica e paisagem: serra,
sertão e chapada.
Garantia de água desde a subida
da serra
Na Serra da Ibiapaba, em Viçosa do Ceará, está localizada a
comunidade rural Juá dos Vieiras. Quase fronteira com o estado do Piauí, Juá é
uma das 134 comunidades rurais atendidas pelo Sisar, a cerca de 400 km de
Fortaleza. É lá que a torneira com o hidrômetro, instalada ao lado da casa, é
tratada como uma grande conquista por Raimunda Nonata Vieira da Cruz. Ela conta
que, quando adolescente, buscava a água para os afazeres domésticos: “não tinha
alternativa, pegava a lata, enchia na cacimba no rio, botava na cabeça e
trazia. Era de oito a dez viagens por dia”.
O sistema de abastecimento de água de Juá foi
instalado há dez anos, mas só foi filiado ao Sisar seis anos depois. Fernando
de Oliveira, operador da Estação de Tratamento de Água (ETA) da comunidade, desempenha
a função desde o início. Ele diz que a chegada do Sisar foi um divisor de
águas. “Foi quando o sistema passou a funcionar de fato. Antes não tinha
gestão, faltava água, produtos para o tratamento e equipamentos básicos para o
funcionamento. Agora esses problemas não existem mais”, relata.
O açude, que leva nome da localidade, é a fonte principal de
captação para o abastecimento das 420 famílias. Segundo Marcos Leitão, gestor
técnico do Sisar na região da Bacia do Parnaíba, o manancial exauriu em 2016 e
durante três anos não teve recarga suficiente. “Padronizamos o sistema com
substituição de toda a tubulação das redes, recadastramento dos imóveis e
trabalho de combate a fraudes. Hoje estamos operando bem e não temos
reclamação”, comemora.
Tercílio Félix Marcolino, vizinho de Nonata, destaca o
quanto foi perceptível a mudança. “Antes da chegada do Sisar, o sistema
quebrava com muita frequência. Passávamos de oito a dez dias sem água. Hoje
mudou muita coisa, temos água todo dia. Antigamente, tudo era mais difícil.
Tinha que carregar galões d’água no ombro ou garrafões no carrinho de mão por
mais de um quilômetro para levar água para casa. Agora é só se levantar da rede
e abrir a torneira”, destaca.
Sertão sem lata d’água
Saindo da região serrana, o próximo destino é a Vila Bom Nome, no
município de Aiuaba, no sertão dos Inhamuns, uma das regiões mais afetadas pela
escassez hídrica. O acesso a Bom Nome, na zona rural, é por meio de uma estrada
carroçável, um percurso de 72 km. O calor e a distância são recompensados pela
satisfação das famílias locais, que são unânimes em reconhecer o esforço
empreendido pela gestão do Sisar, que garante água em todas as áreas, apesar
dos esforços.
O açude da localidade ainda reserva um pouco de água,
mas desde que o Sisar assumiu a gestão do sistema, o manancial não é mais
utilizado, visto que a água não oferece condições favoráveis de tratamento.
Para atender a população, foram perfurados, às margens do açude, quatro poços.
Por meio desse projeto a comunidade também foi beneficiada com um sistema de
placas solares para geração de energia limpa, o que impacta diretamente na
redução do valor da fatura de água.
Para a presidente da Associação Comunitária dos
Moradores de Bom Nome, Ricássia Castro de Sousa, depois que o Sisar passou a
gerenciar o sistema local, tudo mudou. “A comunidade chegou a ser atendida por
um único chafariz, porque o sistema de abastecimento que existia não
funcionava. Quando o Sisar assumiu, toda tubulação foi substituída, foram
perfurados poços, instalados hidrômetros e hoje está tudo funcionando
normalmente”, informa.
Claudemar Alves, morador da Vila há 25 anos,
presenciou a melhoria. Ele afirma que a lata na cabeça era uma cena comum:
“Quando o açude secava, fazia uma cacimba e era assim que a água chegava na
nossa casa, carregada numa lata. Duas viagens tinham que garantir o consumo
diário de toda família”.
Já Leonardo Sobrinho, outro morador, comemora a mudança. “Eu
andava daqui para o açude mais de 4 km, junto com as minhas irmãs. A gente
carregava água na cabeça. Hoje não tem mais isso. Depois do balde, a gente
passou a buscar a água no lombo de uma jumenta, botava um jogo de caçoar,
levava os barris e trazia a água. Agora melhorou demais! Quando a gente precisa
a água tá na torneira”, comemora.
Assim, o povoado de Bom Nome deixou para trás a
alcunha de Vila das Carroças, como era conhecido, pois, segundo os moradores,
era comum presenciar animais puxando carroças com tambores de água.
O local é filiado ao Sisar há dois anos por meio de
260 ligações e abastece cerca de mil pessoas. Ao todo, a unidade atende 18
municípios e 145 sistemas que contemplam 270 localidades.
O desafio de chegar em todo
lugar
Em Logradouro, distrito da cidade de Umari, já na
divisa com o estado da Paraíba, região Sul do Ceará. São os moradores dessa
comunidade, num cenário típico do interior cearense, que fazem tudo funcionar
de forma autônoma e integrada. A vida em Logradouro funciona sem a pressa das
grandes cidades, mas com as urgências de garantir o acesso a tudo que é essencial
para a qualidade de vida dos 800 moradores.
O operador de água da comunidade, Ronaldo Henrique de Lima, conta
que, diante da distância da localidade, o abastecimento regular parecia ser
impossível. Com a chegada do Sisar e a ativação do novo sistema de
abastecimento de água, em 2006, o lugar passou a ter uma tranquilidade a mais:
garantia de segurança hídrica.
O acesso à água com facilidade, dispensando o trabalho
desgastante e intenso de carregá-la por longas distâncias foi uma das primeiras
conquistas do distrito e o demarcador de avanços para Logradouro. “Nosso
abastecimento era pela lagoa que existia, açude ou chafariz. Mas a água foi
acabando. As pessoas iam buscar água na cabeça ou na carroça. Quando o projeto
do Sisar chegou, melhorou bastante. Hoje é só abrir a torneira e temos água. É
daqui pra melhor, ninguém quer voltar ao que era antes”, pontua Ronaldo.
Para a doméstica Bárbara Parnaíba, cuidar da casa com
as novas condições de abastecimento reflete na rotina das pessoas. “Antes era mais
difícil. Hoje, a preocupação é só realizar as tarefas de casa e já contamos com
a água. Até para fazer as atividades de casa não demora mais tanto tempo,
porque não precisa mais sair para buscar água, ela já está presente em casa”,
explica.
Sisar venceu prêmio ODS Brasil
em 2018
Em 2018, o Modelo de Gestão do Sisar venceu o Prêmio
ODS (Objetivos do Desenvolvimento Sustentável) Brasil na categoria “Organização
sem fins lucrativos”. O Prêmio foi lançado pelo Governo Federal com o objetivo
de incentivar, valorizar e dar visibilidade a práticas que contribuam para o
alcance das metas da Agenda 2030 em todo o território nacional. O prêmio também
tem o intuito de reconhecer projetos, programas, tecnologias ou outras
iniciativas alinhadas aos ODS, que promovam soluções que contemplem os aspectos
sociais, ambientais e econômicos.
Deivyson Teixeira Fotos
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