Uso de hidroxicloroquina com
azitromicina foi associado à metade dos casos, revela estudo da Unifesp
Um estudo da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) revelou que, entre os pacientes internados com o novo coronavírus, 71,2% deles apresentavam lesão renal aguda (LRA). Fatores como histórico de hipertensão e tratamento combinado de hidroxicloroquina com azitromicina — medicamentos presentes no “kit Covid” — estavam fortemente associados a essa condição nos rins.
“Fizemos uma análise retrospectiva dos pacientes internados que evoluíram
com LRA, identificando associações clínicas e laboratoriais”, explica Miguel Angelo Goes, docente da disciplina de
Nefrologia na Escola Paulista de Medicina (EPM/Unifesp) e um dos cientistas
envolvidos na pesquisa. “Olhamos para trás para entender que alterações no
organismo poderiam levar a esse desfecho [LRA]”.
Para isso, foram analisados 278
pacientes que foram internados no Hospital São Paulo por Covid-19 entre março e
junho de 2020. Embora o principal motivo de internação tenham sido problemas
respiratórios, o estudo observou que 198 pacientes evoluíram com LRA durante a internação e,
desse número, metade deles precisavam de diálise, ou
seja, já estavam em uma fase avançada de deterioração dos rins.
Ao dividir os indivíduos entre aqueles
que evoluíram para
lesão renal aguda e os que não desenvolveram a
condição, Goes afirma que não houve diferenças em relação a idade, gênero,
sobrepeso e quadro de diabetes entre os dois grupos. Por outro lado, 70% dos indivíduos
do grupo renal tinham hipertensão. Além disso, o uso de hidroxicloroquina com
azitromicina foi associado a 50% dos casos de lesão
renal aguda — entre os que não evoluíram para LRA, a frequência na
utilização dessa combinação foi de 30%.
O professor explica que, embora seja um estudo de
associação, é possível levantar algumas hipóteses. Uma delas é a de que a hidroxicloroquina poderia inibir a
autofagia, um mecanismo de proteção do organismo,
como já demonstraram pesquisas anteriores. “Quando uma célula tubular
renal está doente, ela digere a parte danificada, e a parcela que está saudável
tem chance de evoluir, se proliferar e manter a sua função”, relata.
O SARS-CoV-2, vírus responsável pela Covid-19, tem
a capacidade de invadir diversas células renais. A LRA acontece quando há uma
alteração repentina na função dos rins, que deixam de filtrar as substâncias presentes no sangue. Ela é comum em
indivíduos com infecção generalizada, conhecida como sepse — no caso da
Covid-19, uma sepse viral. Nessas situações, há uma alta produção de proteínas
inflamatórias e uma dilatação dos vasos sanguíneos. Isso dificulta o transporte
de sangue com oxigênio para os rins, o que
pode matar as células renais e prejudicar o a atividade do órgão.
Mais de metade dos pacientes também necessitou de
ventilação mecânica e de drogas vasopressoras. O uso desses medicamentos, ainda
que não seja diretamente responsável pelo desenvolvimento da lesão renal aguda,
evidencia que a essa condição está relacionada a pacientes de Covid-19 em
estado grave, uma vez que as drogas vasopressoras atuam para melhorar a pressão
arterial e a perfusão, garantindo um fluxo sanguíneo adequado para os órgãos.
De acordo com Goes, “isso melhora a oxigenação das células e permite um melhor
metabolismo e funcionamento do organismo”.
Para o pesquisador, o estudo não apenas
auxiliou na compreensão da realidade nacional dentro do contexto de pandemia, como também abriu portas
para entender e estudar medicamentos que atenuem a LRA, uma vez que essa
alteração está relacionada a uma maior mortalidade em casos de Covid-19. “Se
encontrarmos o fármaco e o resultado for significativo, poderemos expandir e tentar reduzir lesões também na região pulmonar”, afirma.
Foto: Anna Shvets/pexels
Nenhum comentário: