O
litoral da Região Nordeste não foi tingido de óleo apenas por um ou dois
motivos. Na raiz da crise ambiental, que acaba de completar dois meses, sobram
relatos de desencontros entre autoridades. O manual criado para nortear a
implementação do plano de contingência (PNC) foi ignorado. O mesmo ocorreu com
um relatório elaborado dentro do próprio Ministério do Meio Ambiente, que
alertou como a extinção de colegiados comprometeria o acionamento do PNC. Ainda
assim, a medida não foi revogada.
Falta de
diálogo
Desde os primeiros dias do incidente, secretários
municipais e diretores de agências ambientais estaduais queixam-se dos
problemas de comunicação com a União , o que prejudica a realização conjunta de
operações. Mesmo as vistorias de autoridades não coincidem — o ministro do Meio
Ambiente, Ricardo Salles, provocou constrangimento no governo sergipano ao
visitar o litoral do estado sem comunicação prévia.
Manual violado
O Ministério do Meio Ambiente cometeu uma série de
violações nos processos listados em um manual que orienta a implementação do
Plano Nacional de Contingência para Incidentes de Poluição por Óleo em Águas
sob Jurisdição Nacional (PNC). Reportagem exclusiva do GLOBO mostrou que, dos
35 critérios listados para ativação do programa, há ao menos 18 que se cumpriam
ou eram fruto de dúvida no início de outubro, quando o plano ainda não havia
sido acionado .
Atraso no
plano
Como os critérios do manual não foram obedecidos, o
plano de contingência, que deveria ser acionado no dia 2 de setembro, só entrou
em vigor 41 dias depois, em 11 de outubro . Segundo especialistas, o PNC não
anularia completamente o impacto do óleo sobre as praias, mas poderia reduzi-lo
significativamente. Tampouco foram informadas medidas preventivas para evitar a
difusão da substância pelo litoral e a verba necessária para as operações.
Nota
ignorada
Reportagem exclusiva do GLOBO mostrou que o Ministério
do Meio Ambiente ignorou uma nota técnica elaborada por um analista da pasta,
que alertou que a extinção de três comitês poderia fragilizar a reação da União
diante de incidentes de poluição por óleo. O documento foi assinado no dia 26
de abril, 15 dias após a publicação do decreto 9.759/2019, assinado por Jair
Bolsonaro, que revogou colegiados considerados “supérfluos”. A tesourada
atingiu os comitês concebidos pelo decreto de 2013 que criou o PNC.
Briga com ONG
Em sua conta no Twitter, Salles afirmou que, por
“coincidência”, a embarcação Esperanza, do Greenpeace, estava navegando
“justamente em águas internacionais, em frente ao litoral brasileiro, bem na
época do derramamento de óleo venezuelano”. A ONG afirmou que, à época, o navio
havia passado pela Guiana Francesa, e está atracado atualmente em Montevidéu.
Diante da repercussão negativa, Salles voltou atrás e afirmou que o navio da
ONG “não se prontificou a ajudar”.
Praia
imprópria
Ao visitar Ipojuca (PE), o ministro do Turismo,
Marcelo Álvaro Antônio, molhou os pés e as mãos na Praia do Muro Alto e
declarou que ela estava “completamente apta à frequentação de turistas”.
Naquele dia, porém, a praia era considerada imprópria pela Agência estadual de
Meio Ambiente, por ainda ter “óleo visual”. Segundo a agência, mesmo após a
ação de um mutirão de voluntários, o movimento das marés poderia contribuir
para o aparecimento de manchas de óleo.
SOS
voluntários
Por falta de equipamentos de proteção, voluntários que
ajudam na limpeza de óleo em diversas localidades estão expostos a substâncias
tóxicas. Na praia de Itapuama (PE), um grupo escreveu na areia “SOS” ao lado de
uma mancha . Segundo o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta , algumas
pessoas estão retirando o óleo do corpo com benzina, gasolina e querosene,
substâncias ainda mais tóxicas do que a vista no litoral. O ideal, diz ele, é
limpar a pele com sabão.
Sem máquina
Na semana passada, o diretor de Assuntos Corporativos
da Petrobras, Eberaldo Neto, afirmou que a estatal não tem os equipamentos
necessários para combater o vazamento de óleo. Os centros de defesa ambiental
da empresa são preparados para um óleo de composição mais leve. Já o visto no
incidente que acomete o Nordeste é mais pesado, vem por baixo do oceano e, por
isso, não é contido por barreiras antes do litoral.
Às escuras
As investigações enviadas à Marinha indicam
dificuldade para delimitar o perímetro em que poderia ter ocorrido o vazamento
de óleo. Na semana passada, dois estudos enviados à Força mostraram a
possibilidade de o derramamento ter ocorrido entre 270 e 600 quilômetros do
litoral , tendo como ponto de partida os estados da Paraíba, Pernambuco e
Alagoas. Até então, as estimativas variavam entre 600 e 800 quilômetros.
da Agência O Globo
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